Todo técnico tem seu “braço direito”, aquele assistente que está sempre ao lado do treinador e ajuda a comandar a equipe. Assim é Flávio Murtosa, o fiel escudeiro de Luiz Felipe Scolari à frente do Palmeiras. Essa relação, porém, não começou tão bem assim. Era uma vez um preparador físico, do Brasil de Pelotas, que foi consultado sobre a contratação de um novo técnico para o time.
– Vem cá, Murtosa: o que tu achas do Felipão? Eu disse: “olha, o Felipão, eu não vou muito com a cara dele”. Dentro do campo, eu levava umas porradas dele. Eu o via como adversário e nunca como uma pessoa amiga minha – contou Murtosa.
Murtosa foi atacante e sofreu com as botinadas do zagueiro Luiz Felipe. Assim, no início do trabalho nas novas profissões, a dupla mal conversava.
– Eu como preparador, ele como técnico. E o relacionamento era profissional. Ele na dele, eu na minha. No início, era meio frio. Ele achava que, de repente, eu poderia puxar o tapete e derrubá-lo – disse o agora auxiliar técnico.
Para piorar as coisas, o time não ia bem no Gauchão. A dupla corria sérios riscos de engrossar a fila dos desempregados.
– Nossa relação começou no Brasil de Pelotas. Foi histórico isso: de nove jogos, nós empatamos oito e perdemos um. Estávamos quase na rua. Ele montava, fazia time e riscava. Eu disse: “Enquanto tu risca aí, eu vou descer e vou conversar com o meu diretor para saber, realmente, se nós estamos na rua”. O diretor era gente boa para caramba, uma bela pessoa e não tinha coragem de dizer que estávamos fora. Eu forçava o cara: “Olha aqui, tu és nosso amigo, não nos engana, só para sabermos: se empatar ou perder estamos na rua?”. Ele disse que sim, daí eu retruquei: “E se a gente ganhar?”. Ele respondeu: “Aí vai dar um problemão" – relembra Murtosa.
O time ganhou a partida e depois foi vice-campeão gaúcho, em 83. A dupla ganhou vida no futebol e apareceu uma proposta das arábias.
– É para o mundo árabe, mas onde é isto? Peguei o mapa: “Onde fica?” O Felipão disse que o empresário nem deu o time, só disse que era na Arábia Saudita. Eu perguntei: “Tu falou que nós não falamos nada de inglês? Ele respondeu: “Eu falei que nós falamos. Tu queres trabalhar ou queres ficar parado, vais ganhar dez vezes mais que está ganhando aqui, então vamos embora. Já estou falando – disse Murtosa.
Tivemos várias brigas. Isso aí é cômico até. Teve momento que parecia que a gente iria brigar dentro do campo"
Murtosa
Entre inda e vindas, Felipão e Murtosa passaram duas temporadas do tal mundo árabe. Até que em 1993, quando o Grêmio fez uma proposta irrecusável. Murtosa, porém, espanou. Com o dinheiro que ganhou na Arábia, o fiel escudeiro resolveu investir em um velho projeto familiar: comprar uma fazenda e criar gado no interior do Rio Grande do Sul.
– Aí o Felipão disse: “tu és muito teimoso, tu és burro. Vais colocar o dinheiro bom no ruim. Tu não entendes nada, rapaz?” Eu respondi que não entendia, mas que iria arriscar.
Aquele Grêmio ganhava tudo: Gauchão, Copa do Brasil, Brasileirão e Libertadores. Felipão seguia chamando o velho companheiro.
– Eu não aceitava, estava com cabeças de gado. Dizia que, enquanto eu não vencesse, não largaria isso. Ele falava que eu era burro, que iria gastar o meu dinheiro. Eu tinha de vender isso – contou Mutosa.
Ele vendeu as cabeça de gado, e o reencontro aconteceu no Palmeiras, em 1998.
– No dia em que chegamos, saíram Luizão e Djalminha, e o Cafu já tinha saído. Aí começamos a montar o time. Naquele período, só veio o Alex e o Oséas. O resto do grupo era o que já estava aqui. No outro ano, veio o César Sampaio, o Zinho, o Paulo Nunes, o Arce e a grande base para a Copa do Brasil foi aquele dia – contou o auxiliar técnico.
Copa do Brasil, Libertadores, Mercosul e uma Copa dos Campeões em que dirigiu o time sozinho. Era o ciclo mais vitorioso da parceria que Murtosa chama de "irmandade". Uma relação sem férias.
– É o troço interessante, porque houve um relacionamento muito bom das famílias. Quando a gente vai tirar férias, fala para o outro que vai para um canto e o outro passa lá tal dia.
No currículo dos quase irmãos gêmeos, o grande feito foi a conquista da Copa do Mundo, em 2002. Depois, ainda foram finalistas de Eurocopa, em 2004, no comando da seleção de Portugal. Dois anos mais tardes, os lusitanos fecharam a Copa da Alemanha, em 2006, na quarta posição. Uma relação de 29 anos baseada em duas palavras: amizade e intensidade. Com Felipão e Murtosa é sempre, entre "tapas e beijos".
No currículo dos quase irmãos gêmeos, o grande feito foi a conquista da Copa do Mundo, em 2002. Depois, ainda foram finalistas de Eurocopa, em 2004, no comando da seleção de Portugal. Dois anos mais tardes, os lusitanos fecharam a Copa da Alemanha, em 2006, na quarta posição. Uma relação de 29 anos baseada em duas palavras: amizade e intensidade. Com Felipão e Murtosa é sempre, entre "tapas e beijos".
– Tivemos várias brigas. Isso aí é cômico até. Teve momento que parecia que a gente iria brigar dentro do campo. Batia boca e os jogadores nos olhavam achando que a gente iria sair no soco. No começo, pensava: “Poxa, este cara é teimoso”. Ele se fechava, batia boca e saia bicudo. Íamos um para cada lado. Depois, a gente se reconciliava.
Sempre jogando e, na maioria das vezes, vencendo. Para o bem dos clubes e torcidas que eles representam, também é claro, para o bem da pecuária brasileira.
– Nada contra os fazendeiros, mas eles que fiquem lá, e eu fico com o futebol – brincou Murtosa.
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